27/10/2019

Por

Ana

Eu não estou bem. E estou ótima. Estou bem porque estou vivendo o meu “best case scenario”. Conhece esta expressão? Imagina esperar por uma notícia com duas possibilidades: uma boa e uma ruim. Então, eu estou vivendo a boa. Mas não, eu não estou bem. Estou me recuperando de uma operação no meu rim direito. 

O início do perrengue 

Tudo começou com uma dor de barriga. Não uma dorzinha de barriga qualquer. Eu estava no Brasil, de férias, uhuu, comendo camarão com doce de leite – brincadeira, gente, mas eu estava sim matando todas as lombrigas expatriadas, enfiando não apenas um, mas o dois pés na jaca – então uma dor de barriga foi normal. Mas ela não passou, piorou, veio febre e depois de 3 dias – sou guerreira e holandesa no quesito saúde (já explico) – fui ao médico. Infecção intestinal. Tomei soro, antibiótico e no dia seguinte peguei o avião para Trancoso para uma mini lua de mel com o marido. Descansei tudo o que precisava, tomei litros de água de coco e voltei para SP em forma. Aliás me sentindo mega em forma depois de ter perdido uns 3 quilos nesta brincadeira.

Passou. 

Quando a saude começou a dar seus primeiros sinais
“Cara de quem deixou os filhos com os avós e foi com o marido para a Bahia” – estava feliz da vida mas ainda sofrendo do estômago

Voltei para a Holanda e trouxe a dorzinha comigo. Não tão forte, não tão ruim, mas depois de um mês de “estou me sentindo marromenos” fui ao huisarts. Vou te dizer que meu huisarts, o médico de família, é um querido. Não, ele não me dá antibiótico à toa e sim, ele me manda pra casa de vez em quando para descansar e tomar paracetamol, mas quando ele não consegue resolver os paranauê, ele investiga. Sendo assim recebi uma cartinha para uma ultrassom (ele suspeitava de pedra na vesícula) e outros exames. 

O hospital mais próximo da minha casa, onde faço tudo que preciso e onde meus meninos nasceram, tinha uma espera de 4 semanas para a ultrassom. Bem-vindo à Holandinha. “Você pode ir amanhã para Den Haag (Haia), se quiser”. Decidi esperar duas semanas e ir a um hospital de Amsterdam um pouco mais longe de casa. 

Dias depois de fazer os exames recebo uma ligação do huisarts. “Não tem pedra na vesícula e seu intestino está ótimo. Mas encontramos algo estranho no seu rim”. 

… oi? 

“Um pedacinho extra, como uma borda. Mas não temos certeza do que é, então vou te encaminhar ao urologista e você vai fazer uma tomografia”. 

A ligação foi no final do dia. Terminei o trabalho, fechei o laptop e pedalei para a casa com uma pulga atrás da orelha. Naquele momento eu sabia que tinha algo, o que era, a gente precisava investigar. 

Mais exames e o veredito

Eu sou uma pessoa muito positiva, extremamente prática e não muito preocupada. Quando desliguei o telefone eu juro que a primeira coisa que pensei foi “ainda bem que tenho dois rins”. JURO. #Aloka. Mas foi o que passou pela minha cabeça, pensei, não sei o que tenho mas com um rim só também se vive. Fechei os pensamentos e toquei a vida. 

Fiz a tomografia e uma semana depois estava no urologista em uma sala de espera onde a idade média era de 78 anos e o público 97% masculino. É noix. De cara gostei da médica: direta ao ponto com ternura. Sem mimimi e com compaixão. Ela me mostrou o resultado da tomografia. 

-Aqui está seu rim. E em volta dele há uma massa. 

-Hã, onde? Desculpa, eu não estou entendo direito, o que é este negócio aqui?

-É a massa.

Então eu entendi. Meu rim, meu rinzinho, estava encoberto por uma massa de sei lá o que. E ela não era pequena. 5 cm. A largura toda de um rim. Do meu rim.

-Agora o mais importante é a gente descobrir o que é. Pode ser benigno como pode ser maligno. 

Perdi meu chão. 

Naquele momento falávamos em 50% de chance de câncer, ou não. Me belisquei algumas vezes para ter a certeza de que havia tido esta conversa, de que realmente eu havia estado naquele hospital. Como eu podia ter uma massa estranha no meu corpo e não sentir nada de anormal? Como? 

Marcamos uma punção renal – delicia – em uma semana. Aquela semana não passou. Eu estava super ocupada no trabalho, havia até aplicado para uma outra vaga e ignorava completamente tudo e todos à minha volta no tema saúde.

Apenas meus pais, irmãs e sogros sabiam do que estava acontecendo. Não sou de drama e a última coisa que queria era me sentir vítima. Eu nem sabia o que tinha, então pra que sofrer por antecipação. A vida segue. E seguiu. 

Fiz a punção. Minutos antes do procedimento bateu um pânico. Comecei a chorar sem parar, todas as lágrimas que tinha até então guardado, todo o medo entupido dentro de mim saiu naquele momento, deitada de bruço em uma maca de hospital.

“Calma, não dói”, dizia a enfermeira. Dor? Eu não tenho medo de dor, tinha medo sim do resultado. Foram 2 pedacinhos de rim e um vazio imenso após a biópsia.

Eu teria que esperar 5 dias úteis para o resultado. Uma semana inteira praticamente. Trabalhei normalmente, preenchi os meus dias ao máximo para não ter que pensar em nada. Estava exausta. Não fiz pesquisas na internet, não li nada sobre o tema, não falei com ninguém. Optei por esperar pelo melhor sem deixar me influenciar.

“Ik laat mezelf niet gek maken”

uma expressão holandesa como “eu não me deixo ficar maluca”. Esse era o espirito. 

Em uma quinta feira conturbada no trabalho ouvi que não tinha sido selecionada para a vaga. Respirei fundo e pela primeira vez em todo este trajeto pensei: melhor assim, talvez eu esteja doente, talvez eu não dê conta. Nisso meu telefone toca. Meu marido. 


– Oi, tudo bem? – a voz meio tensa.

-Não, to uma merda. Acabei de ouvir que não fui selecionada. 

-Esquece tudo isso, nada disso é importante. Nada disso importa. – ele falava rápido, meio atrapalhado.

-Ta tudo bem?

-Tudo ótimo. O hospital acabou de me ligar. Eles não conseguiram te ligar, seu telefone estava desligado, sei lá. Escuta: tá tudo bem. O tumor é benigno. 

Perdi meu chão. 

A emoção foi tanta que eu não tive reação. 

Não chorei, não gritei, não dei pulos de alegria. Eu não fiz porrahhh nenhuma. Fiquei atônita. Lembro que sai andando do escritório. Comprei um café, me sentei numa cadeira com vista para a rua e segurei o café na mão. Por meia hora. Eu não tomei o cafe. Eu o segurei. 

O gratificante é que a medica nos ligou assim que ela recebeu o resultado. Eu tinha consulta depois do final de semana mas como ela mesma disse, ela não queria me deixar esperando já que ela tinha uma boa notícia para dar.

Na semana seguinte estava lá eu outra vez na urologista, desta vez com 500 quilos a menos nas costas. Apesar de ser um tumor benigno o bicho era grande e podia me trazer complicações no futuro. Conversamos sobre as opções, ela me disse que não havia urgência, que era melhor eu curtir as férias de verão com a família e pensar no que queria fazer. 

A operação e a (lenta) recuperação

Eu decidi operar. Então estou vivendo meu best case scenario (entendeu?), porque dentro das possibilidades de ter um câncer e de perder um rim, cara, o que eu estou vivendo é um sonho! Eu estou ótima. Mais feliz impossível!

Mas não, não estou. E não estou sendo mal agradecida, não me entenda mal. A operação foi ótima, numa sala mega ultra super moderna, me senti em Grey’s Anatomy, e acompanhei tudinho. Teve um ponto que eu disse pro médico: estou adorando esta experiência, pena que é meu corpinho – e eu nem estava high de anestesia. 

Pós operação do rim
Selfie pós-operatório

O que está pegando é a recuperação. Eu achei que dentro de um dia iria estar plantando bananeira com as crianças mas a realidade está bem longe disso. Eu estou cansada, abatida e com dores leves. Não posso ficar muito tempo de pé porque dói, então passo boa parte do dia deitada. Meu corpo está pesado e meu semblante caído. Sinceramente? Estou me sentindo um lixo.  

Acho que todas as emoções desses últimos meses culminaram nesta semana. Todo stress, cansaço, medo e insegurança finalmente tomaram lugar. A gente fica disfarçando tanto tempo que está tudo bem que acabamos acreditando nisso, mas daí chega uma hora em que as emoções e os sentimentos escapam. 

Sei que é temporário – tudo é, gente – então neste momento vou cuidar de mim, do meu corpinho e dos meus rins. E tenho certeza de que tudo vai dar certo.

Já deu.