18/10/2017

Por

Ana

Já tem mais de um mês que o ano letivo começou aqui na Holanda e faz tempo que este post está na minha cabeça. A vontade de escreve-lo é simplesmente para registrar esta memória que certamente me escapará em algum momento da vida. A volta às aulas este ano foi especial para minha filha: ela começou no grupo 5 e foi para o bovenbouw, uma espécie de ginásio.

Você lembra quando foi para a quinta série? Eu lembro direitinho. Mudei de escola, tive que me ajustar, me rebelei tirando notas baixas – para o desespero dos meus pais e atenção dos professores e alunos (o que era meu objetivo) – e fiz amigas para o resto da vida. No caso da Julia a mudança não foi tão drástica o que não quer dizer que ela não tenha ficado ansiosa por trocar de sala. Spannend, era o que eu ouvia ela dizer durante as ferias de verão, antes da escola recomeçar.

Meus filhos estudam em uma escola com classes verticais, ou seja, há crianças de 4 a 7 anos no onderbouw, o “primário” que atende os grupos 1 a 4, e crianças entre 8 e 12 anos no bovenbouw, o “ginásio” que vai do grupo 5 ao 8. Então imagine: a Julia deixou o “primário” aos 8 anos como uma das mais velhas da turma para ser recebida como uma das mais novinhas no “ginásio”. Saiu da turminha fiel onde era conhecida e super popular por ser uma senior para entrar em um grupo novo com crianças (enormes!) com quase 12 anos. Felizmente a escola divulgou as classes antes das ferias de verão, então ela sabia com qual amiguinha iria estudar na sua nova classe.

– Julia, vamos jantar?

– Não.

– Filha, me ajuda a colocar a mesa.

– Não.

– Vai tomar banho.

– Não.

As duas primeiras semanas de aula poderiam ser resumidas assim: em uma coleção de “nãos”. Uma rebeldia conhecida, para dizer a verdade, me lembro bem quando ela começou na escola com seus 4 aninhos. Foi uma revolta só, uma mistura de cansaço com euforia que resultou em uma Juju rabugenta por semanas. Apesar dos exaustivos “não” que ouvíamos diariamente, resolvemos não bater de frente: nossa filha já estava lidando com tantas novas emoções, brigar com os pais certamente não ajudaria. E nada como dar tempo ao tempo para as coisas se ajustarem.

Schoolkamp: o acampamento escolar

Uma das melhores coisas de estar no bovenbouw é poder participar do acampamento anual organizado pela escola. Fiquei com um frio na barriga, mas a Julia contou os dias até este momento. Foram três dias, duas noites com os amigos e professores em um tipo de clube no meio do nada holandês. Fizemos as malas juntas, conversamos bastante, dei um beijo bem gordo e um abraço bem apertado e lhe desejei dias maravilhosos fora de casa, no auge dos seus oito anos de vida.

Achei difícil não receber noticia nenhuma dela durante esses dias, mas “geen bericht, goed bericht”, algo como “nenhuma noticia é boa noticia”, em holandês. Ela voltou com olheiras profundas e feliz da vida pra casa. Dormiu sem lençol e não tomou banho durante o acampamento. “Não deu tempo”, foi seu melhor argumento. “Mas eu escovei os dentes e lavei as mãos todos os dias”. Ahã. Ah sim, e a mala voltou cheia de roupa limpa porque ela usou a mesma todos os dias… prática.

Independência e cobrança

Essas primeiras semanas foram necessárias para a vida se reajustar por aqui. Julia fez novos amigos e se adaptou rapidamente à nova classe. Parou de dizer não e voltou ao seu normal (amém). Ela tem nos cobrado uma certa independência: quer ir sozinha ao treino de hockey, à casa da amiguinha, à biblioteca, coisas normais que vemos por aqui. Pouco a pouco estamos aprendendo a confiar e a soltar. Escrevi sobre a independência infantil aqui na Holanda neste artigo para o Ducs Amsterdam.

Semana passada ela foi pela primeira vez sozinha ao treino. Pedalamos juntas metade do caminho – o campinho fica em um parque atrás da minha casa, é uma rota tranquilíssima. Deu tudo certo. Senti uma mistura de medo e de muito orgulho. Acho que faz parte do crescer. Apesar de querer descobrir o mundo sozinha, sinto que ela precisa muito da gente nesta nova fase. Ela até pode ir ao mercado comprar um litro de leite, mas não tem muita noção de responsabilidade.

Percebi que uma estrutura sólida é o melhor jeito de ajuda-la. Eu sempre gostei de uma rotina então estou acostumada a ter as regras da casa no papel. Por mais entediante que pareça, as crianças funcionam melhor assim. Se ela coloca a mesa, o Miguel tira. Fazemos os exercícios da fono depois do café da manha e a prática de violão fica para antes de dormir. Todo dia repetimos este lengalenga e a casa toda participa. Julia não tem lição de casa – não existe isso na escola dos meus filhos – mas eu reservo um tempo durante a semana para sentar com ela e ver o que ela tem aprendido. Entramos no site da escola e ela me conta o que tem feito, o que aprendeu e quais são seus planos para as próximas semanas. Fora isso, lemos muito juntas e ela gosta de escrever sobre seu dia em um diário – para orgulho da mãe jornalista aqui.

Tenho aprendido muito nesta nova fase, eu que sempre achei que bebês davam mais trabalho me enganei direitinho. O Rafael eu pego no colo e levo para onde quiser, já os outros dois precisam de um outro tipo de atenção e dedicação. Tem sido uma experiência gostosa, ver os filhos crescer é muito bonito e gratificante, mas também tem me custado uma boa dose de energia e paciência. Mentalmente desgastante. Eu sinto que vivo no pé dela, mas sem querer pegar no pé… combinamos as tarefas de antemão e deixo ela se sentir grande e responsável para executa-las sozinha. Parece um jogo onde soltamos e puxamos (uma corda invisível) quase simultaneamente.

Julia e uma amiga na volta da escola

PS: quer saber como funciona a escola báscia em Amsterdam? Leia aqui.