05/08/2018

Por

Ana

Estamos de férias no Brasil e toda vez que visitamos minha terra natal eu agradeço por criar meus filhos bilíngues. Amo ver a desenvoltura das crianças num país estrangeiro – apesar de serem filhos de brasileira, eles nasceram e vivem na Holanda –  e me divirto com as pérolas brasileiras-holandesas num português tupiniquim macarrônico.

“Na Brasil”, “o vovó” e “amaricujá”, fazem parte do vocabulário. Eu não corrijo, não dou bronca e muito menos insisto, apenas faço o que sempre fiz: falar português com eles desde que nasceram. Meus três filhos são criados em dois idiomas: português e holandês. Sempre valorizei (e valorizo) a minha língua e cultura, acho importante que eles recebam um pouco da cultura brasileira e consigam se comunicar com facilidade com a família no Brasil.

Falar português nunca foi tema de discussão em casa, surgiu de forma natural: eu não cogitei a opção de não falar português com eles. Me parece algo lógico e por mais que eu fale muito bem holandês, acho que algumas sutilezas e riquezas da língua eu só conseguiria transmitir em português. Pense nas palavras “carinho, cafuné e saudade”, difíceis de traduzir para o holandês – assim como “gezellig” é algo unicamente holandês.

Meu marido aliás foi criado bilíngue, minha sogra é  espanhola e ensinou os filhos a falar espanhol. Então para gente, falar uma língua estrangeira dentro de casa é natural, positivo e benéfico.

Meus holandesinhos-brasileiros

Meus três holandesinhos-brasileiros

Tenha paciência

A duvida que mais ouço é a seguinte: “eu falo português com meu filho mas ele me ignora ou responde em holandês”.

Sinceramente? Eu acredito que se no começo eles não falarem em português, uma hora ou outra eles irão! É a minha experiência. Nem sempre meus filhos me respondem em português e eu compreendo. Não forço a barra, continuo falando a minha língua porque sei que eles me entendem. Parece uma conversa maluca mas funciona. Com a minha filha mais velha foi assim, no começo ela relutava, me respondia em holandês, hoje falamos bastante português juntas.

Além disso, acho importante que este processo seja prazeroso para ambos. Imagina se eu só der bronca em português? Eles vão associar a língua com algo negativo. Seria injusto.

Seja consequente

Ser consequente é fundamental neste processo. Se você falar um dia português, no outro inglês e o resto do ano em holandês, acho que a crianca ficará meio perdida. Ter estrutura ajuda. Não temos regras em casa, mas aqui funciona mais ou menos assim: eu falo com as crianças em português, e quando na presença de holandeses, falamos holandês. Pra gente funciona. Em casa, quando estamos os cinco juntos, também falamos holandês.

As vezes as crianças não me entendem e me pedem para traduzir o que eu falo: eu explico em holandês e repito em português, acho que desta forma eles aprendem a língua em sua essência. Principalmente quando uso expressões como “mais ou menos” ou durante uma brincadeira de futebol disse que o resultado do jogo era “marmelada” e que a bola tinha passado “entre as canetas”, explico o que quero dizer.

Estimule a língua com livros e com musica

Desde pequenos eu incentivo a leitura em português. Adoro comprar livros quando vou ao Brasil e leio bastante com as crianças em casa. O Miguel, meu filho do meio, me pede para traduzir, eu leio em português e explico em holandês caso ele não entenda.

Fora isso cantamos muitas musicas em português, acho uma forma bem prazerosa de introduzir o idioma. O álbum que mais gostamos é o “Bichos esquisitos” do Zeca Baleiro.

A tecnologia nos ajuda muito também: temos muito contato via video com nossa família brasileira. Meus filhos conversam com os avós, tios e primos semanalmente pela internet.

Visita ao Parque da Mônica em São Paulo

No parque da Mônica, personagem que eles conhecem das historias em quadrinhos que lemos em português.

Incentive e respeite

Como disse, acho fundamental estimular a língua portuguesa: é uma segunda língua que meus filhos recebem de berço, e não me custa nada ensinar – pelo contrário, eu adoro – as crianças aprendem naturalmente, sem cobrança ou obrigação.

No entanto,  respeito os limites e a boa-vontade de cada um. Minha filha, Julia, tem muita facilidade para aprender. Ela fala super bem e começou a ler livros em português por vontade própria. A escrita é a parte mais difícil, ela foi alfabetizada em holandês, mas de vez em quando arrisca escrever alguma coisa em português. Me pergunta o que é cedilha e o uso dos acentos, que para ela é a parte mais complicada do nosso idioma.

Meu filho do meio tem mais dificuldade, e as vezes preguiça. Quando ele não entende algo, eu digo em português, explico em holandês, e torno a repetir em português. É um método que funciona para ele. Ele ama que eu leia livros em português. Somos fã dos títulos da Ruth Rocha.

Já o mais novo está aprendendo a falar e não tem muita noção dos idiomas. Ele mistura as línguas em uma frase e as vezes cria suas próprias palavras. Ele dá ‘tchau’ e ‘dag’, pede ‘clau’ (que ele inventou para água), mas diz que o leite está ‘quente’  ou ‘koud’ (frio em holandês). Ele está em uma fase deliciosa de experimentar com os idiomas o que resulta em frases engraçadíssimas.

Uma dificuldade que tenho notado é que na medida que as crianças crescem fica mais complicado introduzir a língua portuguesa. Tem a escola, os amigos e as milhares de atividades em holandês. Em casa mesmo, entre eles, é praticamente só holandês que ouço. Isto me confirma o quanto é importante incentivar desde cedo.

De todas as formas tenho muito orgulho em ver meus holadesinhos falando português. O contato com a familia brasileira é muito importante para mim (são minhas raizes, minha cultura!) e ver meus filhos brincando com os primos e fazendo amigos no Brasil enche meu coração verde e amarelo de felicidade.