23/07/2017

Por

Ana

Nós sempre suspeitamos que o Miguel não ouvia muito bem.  Então não foi nenhuma surpresa ver que o resultado do exame médico escolar para audição não era conforme o padrão. Eu explico: aqui na Holanda as crianças passam por um check-up medico na escola por volta dos 5 anos de idade. Elas são medidas, pesadas e tem a vista e audição controladas.

No caso do Miguel o teste de audição não foi dos melhores… recebemos uma carta com o resultado e em seguida outra carta para uma consulta no consultatiebureau (uma espécie de posto de saúde). Lá ele faria novamente o teste e dependendo do resultado seria encaminhado ao huisarts. A carta com a tal consulta nunca chegou então liguei e marquei o exame. O resultado foi como esperado: ruim.

“Não tenho certeza do resultado, não sei se seu filho entende bem como funciona. Volte daqui a um mês”, foi a conclusão da assistente.

Nesse meio tempo a audição do Miguel piorava, quer dizer, não sei se estava deteriorando ou nós que estávamos mais atentos às suas reações (ou a falta delas). Ele não respondia quando o chamávamos e parecia muitas vezes distante. Pedia para aumentar o volume da TV, do radio e falava alto. Miguel é uma criança feliz e engraçada, daquelas que adora contar uma piada, e desde de pequeno fazia trocadilhos – que eu achava a coisa mais fofa do mundo. Sua professora ele chamava de Lorien, ao invés de Dorien. Quando cantava uma musica, mudava a letra por palavras parecidas, com o mesmo som. Então ‘land’ era ‘sand’ ou ‘wand’. Em português o urso polar é ‘ursolar’, e por ai vai.

Por um tempo achei que este trocadilho todo era por conta do bilinguismo – nós criamos as crianças em holandês e português, falei sobre isso lá no Ducs Amsterdam. Pensei que meu filho tivesse dificuldade na fala por estar aprendendo duas línguas. Uma vez a professora comentou que ele falava engraçado, imitando um bebe. Bem, achamos que o motivo fosse a chegada do irmão mais novo… a verdade é que tinhamos varias justificativas para um problema mais serio: o Miguel ouvia mal.

Voltamos ao consultatiebureau, fizemos o exame e fomos ao huisarts. “Vejo que em um ouvido há um pouco de fluido”, me disse o medico. Sai do consultório com uma indicação para o KNO, o otorrinolaringologista. Em duas semanas estávamos no hospital. Novamente ele passou por um exame de audição (onde ele tinha que apertar um botão quando ouvisse um barulho pelo fone de ouvido) e mais uma vez ouvi “não tenho certeza do resultado”. Felizmente a KNO estava segura em relação aos exames. Ela fez outros testes e confirmou o que ja suspeitávamos há tempos: “se você tampar seus dois ouvidos com seus dedos, vai sentir como seu filho ouve”. Faça o teste.

Por sorte o problema do Miguel era facil de ser resolvido. Combinamos que ele colocaria buisjes, tubinhos de ventilação, após as ferias de verão. Conversando com amigos percebi que este tipo de operação é extremamente comum na Holanda. Conheço muitas crianças que passaram por este procedimento. Algumas por terem otite com frequência, outras assim como o Miguel, por acumularem fluido no ouvido. Me explicaram que o fluido é um tipo de sujeira, uma mistura de agua e resíduos. Ficamos preocupados com a operação, por mais simples que seja, é uma cirugia que inclui anestesia geral.

Miguel seria operado em setembro, apos as ferias, no entanto, durante uma aula de judô ele se chocou fortemente com um amiguinho. Aparentemente nada serio, crianças caem, tombam e se chocam, mas meu filho reclamou por uma semana de dor no ouvido. Liguei para a otorrino e lá fomos nós outra vez para o hospital. Sua audição continuava tão ruim quanto antes, ele havia apenas machucado a orelha. Tive uma boa conversa com a medica e resolvemos operar o Miguel assim que possível. Esperar o final das ferias não tinha sentido, ele não iria melhorar “do nada” nestas semanas livres, achamos que para ele seria melhor ser ajudado o quanto antes… por sorte conseguimos uma vaga em duas semanas!

pós-operatorio na sorveteria: indicação médica

 

A operação foi em um dos hospitais públicos daqui, onde Miguel e Rafael nasceram. Chegamos cedo, antes das 7 da manhã, e de cara encontramos um amiguinho da escola, em seguida um dos seus melhores amigos se apresentou para a mesma cirurgia. Sério: quem vai para o hospital com o melhor amigo? Pura coincidência! As crianças são operadas em bando. São seis pequenos em uma sala de espera, cada um por sua vez vai para a sala de operação e em seguida voltam para a sala inicial para se recuperar. Seis camas, seis crianças e pelo menos 10 pais e mães. Eu pude acompanha-lo até a sala de operação quando ele recebeu a anestesia por inalação. Ele dormiu nos meus braços e foi atendido por um time de médicos e enfermeiros. A operação é simples e dura no máximo 15 minutos. Miguel acordou de mau humor e a primeira coisa que disse foi “tem um monte de barulho na minha orelha”, sinal de que a cirurgia tinha sido um sucesso!

Se você está passando por esta situação, saiba que não é o único: aqui na Holanda este tipo de procedimento é comum e acontece com muita frequência. Eu fiquei nervosa sim com a ideia de ter um filho operado mas sei que foi para o bem estar dele. Se você tem duvidas se seu filho escuta bem, tenho uma dica: o consultatiebureau oferece inloopspreekuur, ou seja, durante alguns dias na semana você pode ser atendido sem consulta marcada. Leve seu filho e peça para fazer o teste de audição. Dependendo do resultado, marque uma consulta com o huisarts. Aqui na Holanda a gente tem que bater o pé de vez em quando. Acho que o sistema de saúde funciona, sim, o difícil é convencer as pessoas que você precisa dele.

No caso do Miguel, ele está se recuperando bem. Logo após a operação ele estava ótimo mas no dia seguinte ficou muito doente. Não sei se foi uma reação à anestesia ou um vírus qualquer. Mas já passou. O importante é que ele está ouvindo normalmente – disse até que eu falo diferente. “Mamãe, não precisa gritar”, pois é, agora sou eu que tenho que aprender a controlar o volume.