23/09/2018

Por

Ana

Não há nada nesta vida que me dê mais sensação de liberdade do que andar de bicicleta. Pedalar pelas ruas de Amsterdam, ao ar livre, contra o vento, é para mim sinônimo de libertação. Sabe aquela história de ficar feliz por algo simples, por algo bobo? Tenho diariamente minha dose de felicidade plena sobre duas rodas.

Foi nesta semana, trancada no carro, a caminho de um curso fora de Amsterdam que me dei conta de quanto sou sortuda em poder me locomover de bicicleta. Vou ao trabalho, faço mercado, levo e busco as crianças na escola, no futebol e nos amigos de bicicleta. E no caminho converso com meus filhos, canto músicas – o que eles nem sempre aprovam – vejo os pássaros, o movimento das ruas, tomo vento, chuva, sol, encontro com amigos pelo caminho e mudo minha rota quando precisar. Posso estacionar em qualquer lugar sem pagar um tostão e sou extremamente flexível sobre duas rodas.

Pedalando por Amsterdam Noord

É quando estou pedalando que avalio meu dia. Esfrio a cabeça na volta pra casa após horas no escritório. De manhã chego alerta ao trabalho depois de pedalar 10 quilômetros contra o vento gelado. Escrevo textos na minha cabeça, realizo pequenas sessões de brainstorm sobre a vida enquanto pedalo, penso no que fazer para o jantar e paro rapidinho no açougue ou no horti-fruti quando me falta algo.

Não perco tempo esperando o ônibus ou parada no trânsito. Quando decido partir e só subir na bicicleta e começar a pedalar. Adoro estar ao ar livre, principalmente em dias secos. Aprendi que chuva é só água e que eu não derreto por não ser feita de açúcar. Garoa e chuva fina eu encaro numa boa. Chuvão eu evito, a não ser quando nao há outra opção. Neve eu não encaro por medo de cair. Abominava roupas de chuva, hoje minha capa e uma grande aliada.

Nas últimas férias no Brasil senti falta de pedalar, senti falta da eficiência de uma bicicleta e da liberdade e flexibilidade que ela me propõe. De volta em Amsterdam uma das primeiras coisas que fiz foi pedalar: fui ao mercado com a bakfiets. Bicicleta é transporte e eu abuso da sua existência.

Sempre digo que morar fora significa se adaptar e aconselho as pessoas que me acompanham a tentar aproveitar o melhor de um novo país. A Holanda definitivamente me ensinou a pedalar e a me locomover livremente pelas ruas. Não tenho planos de deixar o país, mas se um dia me mudar, a bicicleta vai comigo!

Minha trajetória ciclista em Amsterdam

Quando cheguei na Holanda, em 2004, ganhei logo de cara um presentão no namorado: uma bicicleta mountain bike. Ele comprou duas, na verdade, para que pudéssemos sair par de vasos pelas ruas de Amsterdam e explorar o interior do país no final de semana. No começo fiquei insegura: eu, andando de bicicleta nesta cidade maluca de ciclistas? Quem chega aqui se assusta. Tem mais bicicleta do que gente e nem todos os ciclistas respeitam as leis de trânsito.

Fui aos poucos me soltando e em menos de um mês duas coisas tinham ficado bem claras:

  1. não dava para seguir holandês experiente (vulgo, meu namorado) de bicicleta pelas ruas de Amsterdam. Ele pedalava muito rápido, tirava fina das outras bicicletas e passava em sinal vermelho – sorry, amor.
  2. uma mountain bike não era exatamente meu tipo de bicicleta

A tal da mountain bike logo foi roubada na porta de casa – como todas as bicicletas aqui um dia são. Comprei uma omafiets, uma bicicleta bem comum na Holanda, especial para mulheres (o ferro do meio é baixo, ideal para meninas que andam de saia, e bem mais fácil de subir e descer da bike). Amarrei uma sacola azul do Albert Heijn (uma rede de supermercados holandesa) em volta do selim para que ele não encharcasse em dias de chuva e lá fui eu desvendar a cidade.

Lembrando que cheguei aqui na época mapas de papel. Andava com um guia na bolsa e havia aprendido que na direção do rio Amstel eu chegaria em casa, morava no Watergraafsmeer, na frente do rio. Não tinha medo de me perder o que naturalmente sempre acontecia.

A bicicleta entrou definitivamente na minha vida em meados de 2004 e nunca mais saiu. Ela deixou de ser lazer e virou meio de transporte. Aprendi a pedalar mais firmemente, segura, com guarda-chuva na mão, sacolas de compra penduradas no guidão e musica no ouvido.

Com a chegada dos bebês eu mudei de nível, como jogo de videogame passei para uma fase mais difícil. Nunca tive coragem de levar o moisés na garupa (preso por um suporte), mas quando a Julia estava sentando firmemente comprei feliz da vida uma cadeirinha para ela. Que gostoso era pedalar com a minha filhota pela cidade. Eu me deliciava e ela demonstrava a curtição dando gritinhos de felicidade.

Com o nascimento do segundo filho veio uma nova cadeirinha na parte de trás da bicicleta. Julia foi promovida à garupa (com cadeira especial) e Miguel ganhou o assento da frente. Era pesado? Muito! Mas pernas e braços para que te quero. E sim, a gente acostuma. Foi quando o Rafael, baby número 3, nasceu que resolvi fazer o upgrade bicicletário e me dei de presente uma bakfiets. Elétrica.

39 semanas da terceira gestação e pedalando

Dizem que Amsterdam tem mais bicicletas do que habitantes. Aqui em casa nós colaboramos para esses dados: somos em 5 pessoas e 9 magrelas!