13/02/2020
Por
Ana
Eu adoeci novamente. Infelizmente. Uma mistura de baixa imunidade e pech, azar, como dizem os holandeses. Então estou me recuperando, fortalecendo e melhorando a cada dia. As ultimas semanas foram difíceis, incertas e uma internação no hospital holandês foi uma nova experiência na minha vida, algo que a gente nunca esquece.
Vírus, infecção e o huisarts
Tudo começou com uma febre, na verdade estava há tres semanas sofrendo de tudo um pouco: tive resfriado, perdi a voz e dor de garganta. Não me sentia doente o suficiente para ficar em casa de cama, então segui levando a vida. Trabalhei normalmente, me exercitei, cuidei da casa e dos filhos.
Em um domingo senti uma especie de dor de estômago e mal estar. Na hora pensei que teria uma gripe estomacal, algo que nas ultimas tres semanas ainda não havia experimentado. Fui dormir e acordei com febre. 39 graus. quando me levantei, notei que minha mão estava vermelha e coçando. Estranho.
Liguei para o huisarts, meu medico de família. Eu quero deixar claro que eu gosto muito do meu huisarts, uma especie de clinico geral na Holanda. Ele sempre me escuta e nunca me deixou na mão. Falei com a assistente no telefone, expliquei minha situação e ela disse que ia “overleggen“, ia discutir meu caso com o medico e me ligaria mais tarde.
A coceira piorou e o mal estar também. A assistente me ligou de volta dizendo que provavelmente era uma reação de tudo que eu havia tido nas ultimas semanas. Nunca havia sentido esta sensação mas sabia que não era gripe.
Tomei os paracetamols da vida, passei gel mentolado para aliviar a coceira e segui. No dia seguinte a historia se repetiu. Liguei novamente para o huisarts, expliquei a situação e tive como resposta um “sorry, estamos cheios hoje” – tive o azar de ficar doente durante uma epidemia de gripe no país e meu caso não foi visto como urgente. Duas horas depois liguei chorando. Não aguentava mais. Coceira é o inferno na terra – e não, não é drama. Como fui operada no ano passado, estava morrendo de medo de ser meu rim.
Fazer dramalhão no telefone ajuda. Consegui um horário para ser atendida na mesma manhã, não pelo meu huisarts infelizmente, mas por uma outra medica. Ela me examinou, fez um monte de perguntas, ligou para o dermatologista no hospital e chegou a conclusão de que deveria ser um virus.
Eu duvidei. Não que eu tenha estudado medicina, mas estava me sentindo tão mal que não confiava no diagnostico. Pedi com jeitinho por um exame de sangue. Não queria sair do consultório com mais uma caixa de paracetamol.
No manhã seguinte fiz exame de sangue e de urina. No fim da tarde o hospital me ligou – os exames são mandados para o laboratório do hospital – o resultado dos meus exames estava tão ruim que eu deveria de imediato começar a tomar antibiótico. Haviam encontrado uma bactéria que ocasiona infecção no rim e bexiga. Além disso a taxa de infecção no meu sangue estava altíssima.
Eu sabia que não era gripe…
Na quinta-feira cedinho meu huisarts me ligou. Queria me ver. Nem sei como cheguei ao consultório, estava com 39,6 de febre e mal parava em pé. Quando o vi a primeira coisa que fiz foi chorar. Estava com medo, com dor e sem saber o que ia acontecer. A minha situação piorava a cada dia, desde de segunda.
Ele me examinou e me mandou para o hospital.
Enfim, hospital
Os médicos do pronto-socorro já estavam me aguardando. Cheguei e fui colocada em uma maca, em uma especie de quarto fechado por cortinas. Tiraram uns tantos tubos de sangue, fiz exame de urina e a busca pelo meu mal estar começou.
Por mais estranho que pareça, eu estava feliz de estar ali. Pela primeira vez na semana tinha a sensação de que estava sendo ajudada e atendida. Olharam meus pulmões, rins, fígado, vesícula. Pensaram em sarampo, rubéola e sei lá mais o que. Meu diagnostico era complexo pois eu tinha muitos sintomas.
No final do dia os médicos não haviam chegado a uma conclusão, então resolveram me internar. Tomei litros de soro, três tipos de antibiótico na veia (uhuuu) e muito paracetamol para controlar a febre.
Quarto compartilhado
Fui levada para o departamento acute opname, algo como internação aguda. Era uma sala com 4 camas e um banheiro. Havia um senhor quando cheguei que logo foi transferido. Em seguida chegou uma senhora que também estava no pronto-socorro. Me deram a cama ao lado da janela o que me deixou mais contente.
Meu marido me acompanhou, trouxe uma malinha com roupas e objetos de higiene, ficou comigo umas horinhas e foi para casa. Em um hospital holandês todo mundo tem direito ao mesmo tipo de assistência médica independente do plano de saude e do quanto dinheiro você tenha no banco. Aqui a vida é mais igualitária em todos os sentidos. Quarto separado apenas em casos especiais, como alto risco de infecção ou se você for a rainha.
A verdade é que eu estava tão mal, mas tão mal, que qualquer cama em qualquer lugar estava bom. Eu mal vi quem entrava e saia do quarto, perdi a noção de tempo e minha unica preocupação era me recuperar.
Os enfermeiros foram amáveis e dedicados, me controlavam, traziam suco pois eu só tinha sede, não comia há dias. Acho que meu corpo estava tão ocupado combatendo vírus e bactérias, que a digestão era a ultima prioridade, então apetite eu não tinha.
Dormi profundamente até que fui acordada por um barulho. Um novo paciente acabava de chegar ao quarto, era de madrugada e nossa privacidade era guardada por cortinas em volta das camas. O paciente, que eu presumi ser um senhor de idade, tossiu, gemeu e roncou a noite toda.
Ai aconteceu algo curioso. Eu podia ter ficado irritada com o senhor mas a verdade é que o único sentimento que eu tive foi de compaixão. Estávamos ali no mesmo barco, dividindo o mesmo espaço, todos precisando de atenção. Rezei para que melhorássemos logo, que pudéssemos voltar pra casa o quanto antes.
No dia seguinte acordei péssima. Foi o pior dia de todos os dias. Minhas juntas estavam tão inchadas que eu não conseguia colocar o pé no chão, caminhar, estender o braço ou simplesmente segurar um garfo. Minhas pernas estavam cobertas de manchas. Fiquei muito triste pois não sabia o que ainda poderia acontecer. Iria piorar? As manchas subiriam para meu torso e rosto?
Fiz mais exames, dormi e esperei.
A senhora que estava no quarto recebeu alta. Antes de ir embora trocamos algumas palavras e ela disse que estava maravilhada, que sorte a nossa de ter um hospital e uma equipe de plantão para nos atender. Que éramos privilegiados em viver em um pais de primeiro mundo.
Suas palavras me encorajaram.
Talvez porque eu estivesse realmente muito ruim e quase delirando de febre, mas eu não tive problema em dividir o quarto. Eu estava sendo atendida e isso era o principal. Compartilhar o banheiro foi mais difícil, achei a pior parte desta estadia no hospital.
Minha amiga veio me visitar e me animou. Meu marido passou com as crianças e me deixou muito feliz. Fiquei com vontade de ir pra casa com eles. Infelizmente teria que passar uma ou duas noites mais no hospital.
Os outros pacientes foram embora e o quarto (e banheiro) ficaram só para mim. Seguia com febre mas pude descansar mais. De madrugada acordei e senti meus dedos do pé: estava desinchando! Ufa, pela primeira vez em 6 dias senti que estava progredindo. Foi o primeiro sinal de melhora.
No sábado vi um monte de médicos, a conclusão foi que eu tive uma infecção e uma reação extrema do meu sistema imunológico. Fui diagnosticada com PPGSS: Papular-purpuric gloves and socks syndrome. Em português, síndrome do exantema pápulo-purpúrico em “luvas e meias”. É algo comum em crianças e jovens… já disse que tenho 39 anos? Pois é…
O que eu aprendi com tudo isso?
Voltei para casa, segui com febre por alguns dias, as manchas começaram a sumir e minha pele a descascar. A recuperação está sendo lenta. Me sinto cansada, desanimada e um pouco triste.
Ter passado por tudo isso afastada da minha família foi difícil. Nestas horas a distancia é algo terrível. Sei que meus pais e irmãs também sofreram por estarem tão longe neste momento. Felizmente tenho marido e sogros que seguraram todas as pontas. No trabalho o pessoal também foi super compreensivo. Estou de licença até me recuperar – e aqui nem precisa de atestado, é na confiança mesmo.
Estes dias em casa pós-hospital me colocaram para pensar. Acho que meu corpo deu pane. Sei que preciso mudar alguns hábitos, pegar mais leve mesmo. Eu tenho muita mas muita energia, então ficar quieta é um desafio enorme pra mim. Mas vou tentar. Preciso me cuidar e daqui pra frente menos vai ser mais.
Ana,
Acabei de ler sobre sua experiência no hospital. Confesso que rolaram algumas lágrimas, não tem como ler tudo o que você passou e não se imaginar nesse lugar. Suas palavras em meio a tantas incertezas, medo e saudade, me fez refletir sobre gratidão. Vendo que mesmo diante das dificuldades você ainda assim conseguia ser grata, gentil e amável. Obrigada por isso! Desejo que logo você esteja 100% recuperada e que possa viver esse “Menos é Mais”.
Beijos
Obrigada pelo carinho, Priscila <3
Nossa Ana que relato! Acho que caiu um cisco no meu olho enquanto estava lendo.????????
Ana te admiro, você é uma mulher forte, e chique! ????????
Oi Emily, obrigada. Foi um período bem difícil mesmo mas o pior já passou.
Ainda bem que vc está bem .Saúde!!
amém!
Ana, está explicado o porque você se afastou… torço muito por sua recuperação, como leitora assídua e admiradora… você faz falta em nossos dias virtuais…. Saúde e sucesso sempre! Abcs de uma brasileira morando em Londres e visitando a Holanda a cada 10 dias…. esse país diferente que nos acolhe
Oi Thabata, foi por isso mesmo que me afastei. Obrigada pelo carinho.
Olá Ana.
Nao há como os olhos não encherem d’agua.
Entrei no seu site por acaso, ao efetuar uma pesquisa sobre imposto de renda na Holanda.
Mimha filhote fez um estágio de seis meses finalizado agora em Janeiro, em uma faculdade na Holanda e após o estágio foi convidada a um cargo como
trainee.
Seu relato é ao mesmo tempo simples e emocionante.
Abraço.
Obrigada, Antonio.
Oi ANA,
eu entrei aqui porque além de te seguir, preciava saber umas coisinhas de uma recém mamãe em Amsterdam e lembrei de você e do seu blog, parei para ler seu relato e claro, super emocinante não só para uma gestante mas para uma imigrante brasileira cheia de atribulações e dúvidas.. Ainda bem que tudo deu certo e que você está bem.
Estamos na torcida.
Aproveito e compartilho uma canção de Chico Buarque e que certamente você já deve ter ouvido.
https://www.youtube.com/watch?v=4lwN0sP6N-s
todo carinho do mundo!!!!!
Muito obrigada pelo carinho, Gabrielle!
Oi Ana, que bom que vc já melhorou e esta fase foi mais uma que passou e trouxe aprendizados. Como uma mulher inteligente, agora é colocar em ação estes aprendizados. Moro na Holanda há 4 meses, tenho 52 anos e tenho aprendido que o que mais importa é o amor das pessoas por você, o seu pelo outro. Vc falou sobre a vida ser mais igualitária na Holanda, também percebo assim e, neste caso acho que isto nos ajuda até a focar mais no que é prioritário e essencial para continuarmos nos sentindo vivas, felizes e amadas. Não esqueça disto. Obrigada pela generosidade em compartilhar suas experiências. Elas são absolutamente eficazes e ajudam a transformar o mundo. beijos e que vc permaneça bem.
Obrigada pelo carinho, Aurea.
Fiquei tocada por seu relato. Vivo nesse momento algo terrível. Meu filho caçula de 38 mora em Amsterdan há 3 anos. Pela primeira vez ficou doente. Uma semana com 39 de febre, parece uma amigdalite muito severa. Estou acabada, sem dormir, pois ele se recupera muuuito devagar, e sem energia. Acho até um pouco de depressão, pois não consegue sair da cama. O pior, ele mora só, não é casado. Com a pandemia não posso ir. Desesperadora a situação.Trabalha numa boa empresa e tem plano de saúde, mas longe de casa e só está bem difícil para nós dois.
Imagino Dulce, ficar doente fora de casa e longe da família é realmente muito difícil. Espero que ele esteja bem e recuperado.